quarta-feira, 25 de junho de 2008



Hoard | Acúmulo
Temos sempre tanto a fazer, tudo ao mesmo tempo agora, o acúmulo de tarefas e de culpas ao longo dos tempos, gerou gerações de mulheres infelizes. Agora elas querem recuperar o tempo perdido com sexualidade extremada e vendida a três tostões. As poucas novas acham que não há outra forma de ser mulher, há se soubessem do que acontecia em outras idades médias...


[imagem produzida para o site temático Illustration Friday]

domingo, 9 de março de 2008

Heranças Femininas

Todas as Vidas


Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d`água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!

Cora Coralina

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

CAMINHANTES

Caminhantes somos
E sempre seremos
Ora atentos, ora distraídos
Ora alegres, ora tristonhos

Ora agitados, ora serenos
Ora inflamados, ora assim, tão frios...

Caminhantes somos
E sempre seremos
Ora firmes, ora indecisos
Ora receptivos, ora arredios

Ora arrojados, ora passivos
Ora inquietos, ora assim, tão tranqüilos...

Caminhantes somos
E sempre seremos
Ora raivosos, ora amorosos
Ora cálidos, ora arrogantes

Ora ousados, ora medrosos
Ora geniais, ora assim, tão ignorantes...

Mas sempre caminhando
Nesse rumo incerto
Projeto obscuro
Futuro nebuloso
Que só a caminhada
Revelará

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A garota que não podia pedir


Era uma vez uma menina muito inteligente que se chamava Clarisse. Ela vivia em uma casinha simples com sua família. Era uma garota muito alegre, sempre sorridente, conhecida por seu alto astral e inspiração.

O problema é que Clarisse vivia uma maldição. Vivia sob o efeito de um feitiço tão poderoso que nem mesmo se dava conta de que estava encantada. Quando era muito jovem criança ainda, uma feiticeira má sentiu inveja dela por perceber que ela possuía o Dom mais precioso jamais concedido pelos deuses: o dom de ousar. Clarisse não tinha medo de tentar coisas novas, ou falar o que lhe passava à cabeça, ou fazer aquilo que amedrontava a maioria das pessoas: seguir seu coração. Não tinha medo do ridículo, do olhar das outras pessoas, porque acreditava que todos valiam por aquilo que faziam com verdade interna. Além disso, era extremamente generosa e ajudava a qualquer pessoa que lhe pedisse abrigo e conselho. Tinha mesmo o dom de aconselhar e as pessoas a seguiam, desde muito nova, buscando sua Luz e inspiração.

Tomada por um sentimento horrendo de ciúmes, a feiticeira, que era muito triste, detestava imaginar como Clarisse tinha tudo para ser feliz. Então, aproximou-se da mãe dela disfarçada de vizinha bem intencionada, e convenceu-a de que não era bom para Clarisse ser tão ousada e tão diferente de todo mundo. Afinal de contas, o mundo era injusto e as pessoas poderiam se aproveitar de Clarisse e isso não ficava bem. A mãe de Clarisse, Dona Marta, assustada com a possibilidade de que a filha fosse injustiçada, acabou se esquecendo dela e começou a pensar somente no que os outros poderiam tomar-lhe e em como poderiam acabar com sua inocência. Clarisse ficou muito triste com o distanciamento da mãe e suspeitou daquela vizinha tão bem intencionada que visitava sempre e acabava deixando sua mãe amargurada e preocupada com o futuro dela. Mas o pior ainda estava por vir...

A feiticeira sabia que os encantamentos mais poderosos são aqueles que partem de quem mais amamos e que ela nunca poderia amaldiçoar Clarisse tão duradouramente a menos que contasse com o consentimento de alguém como sua mãe. Então, convenceu Dona Marta de que havia uma forma de proteger sua filha para todo sempre: torna-la incapaz de pedir.

Juntas, Dona Marta e a feiticeira, foram a clareira de uma floresta, acenderam uma fogueira e repetiram várias vezes: “O que Deus dá, Deus toma...Meu Deus, vos imploramos que tome de Clarisse a capacidade de pedir”. Por fim, quando o dia amanheceu e as mulheres cochilavam ao redor das cinzas, ouviram uma voz que lhes respondia a prece: “Se é para o melhor, que para o melhor seja. Clarisse não será capaz de pedir nada. Nem o que precisar, nem aquilo com que sonhar, nem o apoio das noites frias, nem o carinho e nem o pão do qual precisar se alimentar”.

Assim, completou-se a maldição. Quando Dona Marta percebeu que a seu lado estava uma velha e rancorosa feiticeira e acometeu-lhe a culpa pelo que fizera, afastou-se de sua casa, sua cidade, seus amigos e imediatamente parou de ouvir. Não ouvia mais nenhuma palavra, música, ruído, com medo de que fosse novamente levada a, por um medo imaginado, prejudicar alguém que amasse.

Assim, a feiticeira assistiu enquanto a menina crescia e seguia ajudando a todos, menos a ela mesma. Observava com gosto como o semblante da menina ficava pesado, sua alegria ia se tornando falsa, suas depressões eram cada vez mais constantes.

Clarisse se sentia uma fraude. Ela possuía todos os dons necessários a felicidade, mas nunca poderia dar sentido a eles, porque nunca poderia se relacionar de verdade. Os pedidos de ajuda, que criariam pontes entre ela e os outros seres humanos, ficavam presos em sua garganta. Ela se dedicava compulsivamente a qualquer causa que lhe aparecesse a porta, sem pensar no sentido que aquilo teria ou não para ela. Começou a deixar todos os seus sonhos para trás. Já não lembrava do que gostava ou de quem era...Perdeu-se por não poder nunca se aproximar de ninguém e simplesmente dizer que precisava de ajuda. Tudo se envenenou, Clarisse tornou-se mesquinha. Mas como nada sabia do encantamento, não tinha como agir de maneira diferente. Sabia que se sentia mal e que algo estava errado. Lembrava-se de momentos em sua vida em que tivera alegria e sonhos e todos estavam mesclados ao prazer de ousar e ajudar. Agora, ousar e ajudar eram sua sina e sina das mais cruéis porque estava fadada a fazer e fazer sem recompensa, sem reconhecimento e sem carinho.

Clarisse sonhava com alguém que percebesse que ela precisava de ajuda sem que ela tivesse de pedir-lhe.

Até que um dia, um jovem rapaz, tão inteligente quanto ela aproximou-se para conversar. Ele se preocupava com ela e a ajudava, da mesma maneira que ajudava a todos os demais, pois tinha um dom muito parecido com o dela. Clarisse floresceu a seu lado. Ele a ajudava sem que ela pedisse. A cada pequena demonstração de carinho e cuidado com ela, Clarisse sentia que seu destino não podia ser tão ruim assim e que a vida recobrava cor e sentido.

Mas acontece que esse rapaz, que se chamava João, vivia aprisionado. João gostava de ajudar e temia acima de tudo que sua vida não fosse útil para ninguém. Por isso, quando completou dezoito anos, começou um treinamento que o levou a trasnformar-se em Mestre. Como Mestre, sua missão era estar sempre perto daqueles que mais dependessem de orientação e converter-se em um guia para os que não conseguissem ter iniciativa própria. E ele estava condenado a sempre falar do que precisava sem ser ouvido.

João também estava triste quando conheceu Clarisse, pois como Mestre envolvia-se em tantos compromissos e obrigações que acabava se esquecendo de quem ele era e do gosto de ajudar. Começou a ajudar por obrigação. Conheceu pessoas que se aproveitaram de sua nobreza e seu treinamento e, mesmo não precisando tanto assim dele, viviam a suas custas. Como seu juramento dizia: “Ajudar a quem pedir”, ele não podia negar-lhes a atenção e o cuidado devido.

E não podia passar muito tempo com Clarisse que não podia pedir-lhe nada.

Nenhum deles conhecia suas maldições. A única coisa que eles sabiam é que se sentiam bem quando estavam juntos. Ela sendo ajudada sem pedir e ele ajudando sem que lhe pedissem.

Sentiam-se livres assim. Livres para fazer escolhas.

Mas o Mestre tinha pouco tempo para estar com Clarisse e Clarisse não podia pedir-lhe mais tempo.

Foi quando uma fada boa, percebendo a situação dos amantes e querendo ajudar, revelou-lhes que o destino que estava reservado a eles era lindo, desde que eles rompessem com suas maldições. Foi um momento difícil: eles nunca tiveram tanto conhecimento de quem eram e o que os movia antes. Temiam ser tudo mais uma farsa. Temiam estar sendo enganados. Mas decidiram ouvir a fada que lhes disse:

- A única forma de quebrar suas maldições é encontrar o caminho para a Cidade Iluminada. Lá os medos se rompem e ficamos somente com as boas intenções que guiaram aqueles que passaram por nossa vida. Nos reconciliamos e descobrimos quem realmente somos. Descobrimos também que aqueles que nos amaram ao longo de toda vida, errando ou não, estavam fazendo o melhor que podiam. E assim ficamos livres para seguir nosso caminho, amando com liberdade a quem quer que seja.

João e Clarisse ouviram os conselhos da fada e naquela noite sabiam que tinham uma decisão a tomar. Arrumaram uma bagagem leve e seguiram a Estrada da Esperança rumo a Cidade Iluminada. Foram dois meses de viagem em que cada vez se conheciam mais, mas nunca conseguiram estar realmente juntos. Seu amor só poderia ser consumado, uma vez adentradas as muralhas que protegiam a cidade, pois antes disso ele seguiria sem ouvir seu coração e ela seguiria sem poder pedir pelo seu.

Quando chegaram, era manhãzinha. O porteiro de pedra erguia-se descomunal e assustador pedindo um sacrifício. “Sem sacrifício não se entra na cidade”, dizia ele, “Mas há de ser o sacrifício correto. Eu tenho toda a eternidade e vocês são pobres mortais as voltas com um par de anos a mais ou a menos”.

Tentaram sacrificar-lhe todo tipo de coisas: animais, prendas, sangue e lágrimas. Trabalharam para cuidar da grama em volta da cidade, ergueram-lhe estátuas em homenagem a sua grandeza. A cada sacrifício equivocado o Porteiro de Pedra gargalhava e dizia sempre a mesma coisa: “ Nada posso fazer aos que nada podem fazer”.

Depois de muitos anos tentando, anos em que João e Clarisse se afastaram muito pois seu sofrimento já não permitia que se olhassem nos olhos, a resposta lhes veio em um sonho. Acordaram sem saber com o que sonharam, mas sabendo exatamente o que precisava ser feito.

Postaram-se diante da enorme muralha, ergueram o olhar ao Totem de pedra e disseram.

“Eu, Clarisse, sacrifico a maldição de meu amado. Ele que é compelido a ajudar aqueles que dele dependam agora será livre, pois eu, que não posso depender de ninguém, comprarei seu pesar. Ajudarei a todos os que dependerem profundamente de mim e com isso amadurecerei e os deuses não se ressentirão do não cumprimento da tarefa do Mestre, pois eu serei Mestre em seu lugar.”

“Eu, João, sacrifico a maldição de minha amada. Ela que não pode pedir aquilo de que necessita agora será livre, pois eu que não posso deixar de ajudar aos que me pedem, comprarei o seu pesar. Não falarei mais do que necessito e com isso amadurecerei e os deuses não se ressentirão do não cumprimento da maldição da feiticeira, pois eu estarei amaldiçoada em seu lugar.”

Os portões da cidade se abriram. A maldição estava quebrada. João nunca precisou pedir nada, pois Clarisse lhe antecipava as necessidades como se fossem suas e ele assim permitia que acontecesse. Clarisse passou a pedir do que necessitava e embora ajudasse aqueles que dependiam dela e eles nunca a reconhecessem, João era fonte de eterno amor e carinho. E eles amadureceram e passaram por outros problemas...

Mas isso já é outra história.

Pra começar

Caros,

este espaço é reservado aos artistas que andam "escondidos" em cada um de nós.

Aqui podemos mostrar o poeta, o músico, escritor, cineasta, artista plástico que há muito convive conosco, mas que, talvez, ainda não tenha tido oportunidade de compartilhar suas artes.

Aguardamos a sua participação.

Um grande e fraterno abraço!

Denise Vilardo